09 setembro 2024

"escrever ANTERO de QUENTAL", 30 autores, Edições Colibri, 2024 - "Avulsas Impressões" por Ângelo Rodrigues (coordenador literário do projeto)


AVULSAS IMPRESSÕES

por Ângelo Rodrigues
www.angelo-rodrigues.webnode.pt

 

Em busca do Absoluto e da Luz
por um “génio que era santo”

 

«O universo só dura pelo bem que nele se produz. Esse bem é às vezes poesia e arte. Outras vezes é outra coisa. Mas no fundo é sempre o bem e tanto basta.»

ANTERO DE QUENTAL, Cartas II (1881-1891) – Organização,
introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa, 1989,
Universidade dos Açores, Editorial Comunicação

 

«(…) enquanto não domar os nervos e a imaginação, e não tiver transformado o meu antigo temperamento de poeta no de filósofo, não posso começar a grande obra.»

ANTERO DE QUENTAL, Cartas II (1881-1891) – Organização,
introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa, 1989,
Universidade dos Açores, Editorial Comunicação

 

«Na mão de Deus, na sua mão direita, / Descansou afinal meu coração.
/ Do palácio encantado da Ilusão / Desci a passo e passo a escada estreita. (…) // Selvas, mares, areias do deserto... / Dorme o teu sono, coração liberto, /
Dorme na mão de Deus eternamente!»


Antero de Quental, in "Sonetos"



1.         Caros autores, obrigado por serem quem são e por estarem connosco nesta nova ”aventura literária” das Edições Colibri. Uma saudação especial aos autores que integram a coletânea “escrever CAMÕES” (primeira obra desta coleção) e que continuam mais uma vez nesta coletânea “escrever ANTERO de QUENTAL”. É um renovado prazer, um gosto e um privilégio, poder contar convosco neste novo projeto literário assumidamente diferenciado, eclético e “de culto”, que pretende não só, mas também, homenagear, compreender, reconhecer, refletir, problematizar, especular e celebrar o nascimento, o percurso de vida e o considerável legado do diferenciado, ousado, inovador, inquieto, “atormentado”, “panteísta”, multifacetado e peculiar poeta/sonetista, esteta, ativista sociopolítico, revolucionário, jornalista e pensador Antero de Quental, figura central ­­­— e de topo — da designada “Geração de 70” que teve origem em Coimbra (Movimento académico do século XIX que veio revolucionar várias dimensões da cultura portuguesa, da política à literatura – Wikipédia). Evocaremos por aqui — de forma mais ou menos apaixonada, autêntica quanto possível, informal e livre — o intelectual e ativista sui generis que, com outros como ele (alguns dos quais que abaixo se refere), influenciaram Portugal à época, e, porque não dizê-lo, com um sentimento de gratidão e de orgulho, que sentimos que tal influência — esta nossa “herança” sociopolítica, cultural, poética, estética e filosófica — foi como que uma “lufada de ar fresco”, uma mais-valia que fez catapultar o atrasado, desalinhado e ignorante Portugal para a modernidade, conceito este a ser compreendido à luz deste nosso tempo, que se quer desconstruído e descodificado, à medida que tentaremos — também com a preciosa e inestimável ajuda/apoio dos nossos autores, que dão voz e alma a este projeto — compreender o legado de Antero que foi também o poeta-filósofo, ou o filósofo-poeta, que, à semelhança do sábio, grande e inquieto filósofo Sócrates — da antiguidade clássica —, revolucionou a mentalidade da época e espicaçou — com ousadia e coragem — “as consciências adormecidas no sono fácil das ideias feitas”. E saibam também caros leitores que Antero viveu numa época de tacanhez, de ignorância, de imbecilidade (e, infelizmente, continua a não ser muito diferente ainda hoje), e também por culpa desse contexto, tenha resultado, como nefasta consequência — assim entendido para a maioria dos que vão conhecendo um pouco melhor a vida do autor —, o seu desespero e frustração que se consubstanciou na “tragédia” do suicídio (que parece ter sido pensado e preparado ao minuto), como que a dizer-nos que estava cansado e farto de tanta incompreensão, de tanta ignorância e imbecilidade, e a necessitar de sair deste mundo incoerente em busca de novos e mais aceitáveis mundos (e alternativas de vida); contudo, mais uma vez à semelhança do já referido Sócrates da antiguidade clássica, também este sábio homem supunha “e acreditava” que iria para um “mundo melhor”, pois a Morte é uma porta mágica que nos deixa sair, nos liberta e orienta para algo que não sabemos o que é, mas que queremos acreditar (e desejar) que é bom (talvez seja, muito provavelmente, o reino do Bem, do Belo e da Justiça, afinal de contas, o reino do Amor). Antero de Quental tinha — de facto — um fascínio e uma espécie de “encanto” e de admiração pela Morte que é, digamos assim, a sublimação suprema. Estamos em crer que se Antero cá voltasse hoje, iria com certeza considerar e confidenciar-nos que o seu “sacrifício” não foi totalmente em vão. Admitamos pois, que sem o contributo de Antero e da designada “Geração de 70”, que ele muito galvanizou e fez crescer, de certo que a nossa “herança” teria sido — a muitos níveis — muito mais pobre. Assim, um povo, um país, uma nação que se preze deve estimar e honrar aqueles que ensinaram a sair da mesmice e da ignorância (pois ele foi também o pedagogo por excelência) e ajudaram a construir um país mais culto, e, sobretudo por isso, Antero merece todo o nosso respeito, reconhecimento e todas as apologias (sendo que o principal reconhecimento/apologia deve — a nosso ver — consubstanciar-se na leitura, na fruição e compreensão da sua extraordinária obra poética, filosófica e ético-política). O que conhecemos da sua desconcertante, atribulada e inquieta vida, bem como da obra/legado que nos deixou, espelham/evidenciam bem a demanda permanente pela compreensão, pela busca de sentido e de significado da existência, da “condição humana” — com muita  inquietação espiritual e “almífica” à mistura —. Antero foi um original e ousado desbravador do Humano e levou a máxima do “Conhece-te a Ti mesmo” ao limite. Mais a baixo, neste despretensioso, quase-coloquial e pouco ortodoxo “texto”, de “avulsas impressões”, iremos arriscar especular um pouco (“mandar o barro à parede” a ver o que acontece) sobre alguns temas/assuntos/situações/curiosidades/problemáticas que sabemos de antemão que alguns estudiosos/pesquisadores-investigadores-académicos-e-afins (e também puritanos, talvez demasiado ortodoxos) de Antero terão dificuldade em aceitar e compreender (provavelmente por falta de evidências/registos objetivos e melhor reflexão e fundamentação da sua obra), mas, ainda assim, arriscaremos e ousaremos a nossa “interpretação”, realizando o melhor que nos for possível, um caminho de exegese literária/filosófica/talvez-mística que também se quer holística, e talvez também o seja — embora menos — heurística e hermenêutica, que sabemos e aceitamos ser pouco habitual neste tipo de abordagens. E podem desde já  — se estiverem para aí virados e com vontade de dialética, de especulação e de confronto de ideias —  contraporem e contra-argumentarem o que quiserem, pois há indícios (e desabafos vários do nosso autor, espalhados pela sua imensa e rica epistolografia, e não só) pouco considerados até agora que podem (e a nosso ver é esse o caso) proporcionar abordagens, perceções, hermenêuticas, leituras e entendimentos diferentes e mais ousados. É um facto que estamos perante um autor com um legado diversificado e riquíssimo, uma obra e vida (mundividência) eclética e polissémica (daí  a nossa assumida especulação), e, tudo isto, pode e deve proporcionar — assim esperamos e desejamos — diferenciadas abordagens e compreensões da sua obra que nos permitem também, e já aqui, elencar um conjunto de temas pelos quais ele tinha — de facto, é claro, em nosso entender, e tal compreensão e perceção do autor só a nós nos vincula — grande curiosidade e bastante interesse (que não apenas no sentido de os refutar, mas, a nossa ver, também e sobretudo, no sentido de os integrar no seu pensamento e poética em geral, tais como: paixão e interesse pelo Budismo (o famoso poema “Nirvana”, entre outros); paixão e interesse pela ideia e conceção do “Eterno Retorno” à boa maneira helenística; paixão e interesse pela Reencarnação/Metempsicose e afins (o sentido da Morte que tanto perturbou e inquietou o poeta e o filósofo); a Filosofia da Religião e, muito provavelmente, acreditamos nós que nunca deixou de ser crente, desbravando, idealizando e construindo um “Deus” peculiar, o seu “Deus”, um “Deus” anteriano que por descobrir e compreender  ainda está. Tivesse Antero vivido mais tempo nesta reencarnação, e mais tempo tivesse tido para refletir, escrever e publicar/partilhar, estamos em crer que esse Antero [com mais tempo de vida] se iria aproximar bastante da compreensão que dele arriscamos e ousamos ter e que, sem receio, partilhamos aqui, sobretudo como um despretensioso exercício intelectual/filosófico e literário, talvez místico (pois é desse “nosso” Antero que mais gostamos e é sobretudo esse que queremos enfatizar, problematizar, argumentar, também provocar, inquietar e “dar a conhecer” um pouco mais). Bem sabemos que Antero foi, por excelência, o insatisfeito, o desassossegado (que inspirou Pessoa e mais uns quantos), o atormentado, o inquietado e inquietador, o disruptivo e o provocador por excelência… Tenhamos nós a coragem de seguir este seu exemplo, pois sabemos que o considerado inovador, criativo e grandioso, só acontece, se revela, dá a conhecer,  a partir — e com — estas características típicas dos génios. Pasmem-se à vontade, contra-argumentem, desmintam, critiquem, apontem erros, precipitações hermenêuticas, lacunas e falhas, mas saibam caros leitores desta coisa que a interpretação e compreensão de Antero não está acabada (nem nunca estará — pois tal coisa [ser fonte inesgotável e encontrar-se sempre coisas novas para interpretar e fruir] é apanágio dos escritores e dos criadores geniais —) e é por aí que queremos ir, pois é este Antero que nos trouxe até aqui: à disrupção estética-literária-poética-“mística”-filosófica bem como ao combate ao “Pensamento único”. Tal como Antero, sejamos nós (todos, todos, todos… - sei que está na moda), combatentes do “Pensamento único” que anda cada vez mais por aí como se fosse uma praga. É também nisto que reside o encanto deste diferenciado e peculiar autor. A nossa perceção/interpretação/hermenêutica de Antero é, sabemos bem que sim, algo heterodoxa, arriscada,  não consensual, talvez pouco ou nada académica (e o que é isso?!), mas, graças a “Deus” (ao nosso, que, até certo ponto, é parecido com o “Deus” de Antero), livre, ousada, corajosa, diferente, talvez-criativa, disruptiva “porque-sim”. Se quiserem continuar a fruir, a compreender e a interpretar Antero como até aqui, tal atitude não é má de todo, pois fazem muito bem, e estejam obviamente à vontade, pois quem somos nós para vos contrariar (?!). Contudo, contrariem-nos!

 

2.         Este “texto” (Avulsas Impressões), “conceito muito nosso” — talvez uma espécie de para-ensaio para um novo subgénero literário ainda por nascer —, pretende ser também, qualquer coisa parecida com uma introdução/prefácio/nota/enquadramento a esta obra. Não é nossa intenção — apenas e só — recordar, compreender e partilhar a extraordinária vida (mundividências, idiossincrasias, pensamento filosófico, poético, sociopolítico, ético e afins, experiências, conflitos intelectuais, análise de tertúlias, causas nobres e desideratos vários do autor), mas, isso sim, e sobretudo, a partir do crescente impacto da sua obra, do conhecimento e investigação do extraordinário legado de Antero, e também com o óbvio contributo dos posteriores desenvolvimentos e interpretações dos seus “discípulos”, investigadores e admiradores, possamos empreender — quiçá, e sem receio de o assumirmos —, um renovado e ousado olhar (que possa ser mais abrangente e claro) tornado possível com outra Luz que possa “iluminar” agora o que até antes esteve no escuro. Assim, com e pelo apoio de uma renovada orientação, aceitamos e incluímos na reflexão, necessariamente, a influência das nossas experiências e sensibilidades místicas e espirituais, as nossas idiossincrasias, as nossas mundividências, e, tendo em conta também a nossa compreensão e aceitação da “condição humana” — com tudo o que isso implica e possa significar e que nunca é o mesmo para todos — ousamos e permitimo-nos uma outra compreensão do genial autor.

 

3.         Olhar” Antero a partir de hoje é enriquecer a Alma com a compreensão, a hermenêutica e a interiorização de temáticas, situações e ideias (bem como ideais) que continuamos a considerar pertinentes e essenciais, e, também a partir daí, poder — com o entusiasmo (“o tal Deus dentro de nós…” que Antero quase sempre demonstrou ter) possível  — motivar/galvanizar uns quantos (de preferência muitos), nem que seja de forma muito básica e avulsa, e também de forma despreocupada, coloquial e informal (como se tivéssemos todos — em jeito de tertúlia — sentados na esplanada de um qualquer café de ambiente nem sempre sereno nem calmo a conversar sobre os grandes temas, ideias, preocupações, expetativas, causas, propósitos e desideratos da aventura poética, filosófica, estética e também política do grande Antero de Quental), para uma mudança que se impõe cada vez mais como necessária nestes nossos conturbados e estranhos tempos a fim de que possamos conseguir desenvolver, e, se possível, concretizar, as nobres, tão necessárias e tão atuais como nunca, causas do poeta-pensador ou do pensador-poeta. Assim sendo, eis o nosso singelo e singular propósito com a apresentação deste “texto”: não fazer — de todo — (porque já existem alguns e bons, apesar de, lamentavelmente,  pouco conhecidos e divulgados) mais um pequeno ensaio sobre a vida e obra (legado praticamente desconhecido para a maioria de nós) de Antero, mas também e sobretudo, “mesclar” e partilhar livremente — sem grandes preocupações de fundamentação académica e afins —  o que mais nos tem tocado e sensibilizado (perturbado e inquietado) desta personalidade tão intensa e revolucionária após alguma pesquisa realizada (muito pouca), e que, assim esperamos e desejamos, a partir desta obra “de culto”, também algo pedagógica, que a Colibri teve a coragem de dar à estampa, possa ela trazer mais leitores à fruição e compreensão de Antero, autor tão injustamente esquecido e que é urgente reabilitar, especular e problematizar cada vez mais. Pode — para alguns — parecer estranho, e até talvez algo romântico, sabemos que sim, mas considerando-nos nós — sem receios, sem “peias nem rodriguinhos” — um para-poeta, um para-filósofo e um místico de pendor filosófico-almífico (palavra nossa que podem passar a usar sem problema, pois já não é — como foi — do nosso léxico privado), queremos acreditar — e desejar — que privaremos com o grande Antero de Quental — oxalá que seja mesmo daqui a muitos anos, pois queremos continuar muito mais tempo por cá… — numa próxima reencarnação (deixa lá de fazer essa cara de espanto e de estranheza que mais parece “embirração”, pois tudo é possível). Talvez com a ajuda da “mão de Deus” isso se possa mesmo concretizar. Oxalá!

 4.          Tal como Antero, Eça de Queirós (Escritor e Diplomata Português – 1845-1900, admirador, grande amigo e confidente de Antero) e mais uns quantos, que facilmente se podem identificar, pesquisar e conhecer melhor (o que se recomenda), também nós sentimos pertencer — ainda e com eles, incluindo a doce boémia… — ao irónico e desconcertante “Clube dos Desiludidos ou Vencidos da Vida”. (“Vencidos da Vida” é o nome por que ficou conhecido um grupo informal formado por personalidades intelectuais de maior relevo da vida cultural portuguesa das últimas três décadas do  século XIX, com fortes ligações à chamada Geração de 70. (…) O grupo reunia-se para jantares e convívios semanais no Café Tavares, no Hotel Bragança ou nas casas dos seus membros, tendo-se mantido ativo entre 1887 e 1894. Os Vencidos da Vida foram definidos pelo escritor Eça de Queirós — um dos seus membros tardios — como um grupo jantante. O grupo assumia o carácter de uma sociedade exclusivista, congregando vultos da literatura, da política e frequentadores das rodas mundanas e aristocráticas. Fonte: Wikipédia). Eles — Antero, Eça e mais uns quantos, figuras marcantes da nossa Cultura, Literatura, Política e Sociedade da época — que aqui destacamos como notáveis e “influencers”, entre outros,  Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, e que, à sua maneira, conseguiam influenciar o rei (primeiro D. Luís I e depois D. Carlos I). Encontravam-se para jantares e convívios semanais, congregando figuras da literatura, política e sociedade aristocrática. Entendemos este dinamismo Cultural, artístico, literário e político da época — a esta distância temporal — como um bom estímulo, um exemplo a seguir hoje, uma mais-valia, um estar a caminho para…, um acelerador de curiosidades…, uma Escola de Pensamento Crítico. Partindo do princípio que muitos de nós estão centrados e admirados com a fecundidade, a diferença e a peculiaridade da proposta poética, sociopolítica, ética, cultural e filosófica de Antero, e daqueles com quem ele privou, também com ele e amigos já referidos, e por eles inspirados, buscamos e desejamos uma melhor qualidade de vida com mais encanto, magia, significado, sentido, e ansiamos, tal como eles, pelo Absoluto, pela Luz, pelo Transcendente, pela Eternidade… E repetimos — como se fosse um mantra — este derradeiro desejo (e que possa ser em coro para ser mais forte e intenso) com Antero: «Só me falta saber se Deus existe». E que Deus é esse? O “Santo Antero” vai-nos dando algumas pistas, mas provavelmente, esse procurado e tão ansiado “Deus”, afirma-se de certo, em cada homem e mulher, pelo Humanismo, pela vivência do Amor, pelo trilhar do Bem e das Artes, pelo Conhecimento, pela busca da Verdade (que pode ser muitas coisas e coisa nenhuma), pela poeticidade da vida (a nível não apenas intelectual, mas também como experiência moral e ética, estética, emocional, tudo isto tido como essencial e que devia ser mesmo considerado, acima de qualquer outra coisa, nesta reencarnação em que estamos). Já nos referimos em cima à relação de amizade e proximidade do nosso Antero com Eça, e queremos enfatizar a imensa consideração humanista e intelectual mútua, e informar que, muito provavelmente, um dos próximos livros desta coleção poderá ser para celebrar o também extraordinário legado de Eça de Queirós, considerado um dos mais importantes ou mesmo o mais importante romancista, crítico e comunicador português. Como é sabido, Eça admirava profundamente Antero, considerando-o um homem de “sumo génio poético” e de “suma razão poética”, e bem sabemos que o original, o frontal, disruptivo e diferenciado “fazer literário” de Eça tem a boa influencia da poética e do pensamento de Antero (sabemos que alguns vão dizer que não será bem assim, mas não importa). Foi Eça que numa frase paradigmática, significativa e lapidar, caracterizou — com letras de oiro — o nosso homem: «um génio que era um santo”. Dizer também, e ainda, pois este nosso despretensioso e singular “texto” tem — ou pretende ter — também uma dimensão didático-pedagógica, que o nosso Antero foi um dos fundadores do famoso “Cenáculo”, uma espécie de grupo literário que se realizava em Lisboa e ao qual pertencia também Eça de Queirós. Discutiam, refletiam, especulavam e sugeriam, de forma bastante peculiar e diferenciada, ideias, assuntos e situações sociais e políticas que consideravam essenciais, acabando por influenciar — de forma bastante criativa e inovadora — a intelectualidade portuguesa da época e até o rei, alguma aristocracia e os políticos em geral. Indiscutivelmente, Antero e Eça, são duas figuras marcantes, significativas, e, por isso, merecem o nosso respeito, a nossa consideração e todas as apologias e celebrações (sendo o nosso melhor tributo, o conhecimento, a leitura, a compreensão e a fruição da sua extraordinária e peculiar obra/legado).

 5.         Lembrando aqui a saudosa Natália Correia (Escritora, dramaturga e poeta portuguesa – 1923-1993 que muito nos orgulha), também ela nascida na bonita e inspiradora ilha de S. Miguel nos Açores (Ponta Delgada), e com quem tivemos o gosto, a honra, o privilégio e o prazer de termos privado e convivido algumas vezes nos seus últimos anos de vida (em Lisboa e não só), também ela uma conhecedora exímia de Antero e por quem nutria imensa consideração intelectual, filosófica e poética, tendo divulgado e promovido como ninguém o seu legado; dizia ela que Antero é um ser “dicotómico”, um homem do duelo (mais consigo do que com os outros), um ser simultaneamente apolíneo e dionisíaco. Antero foi, por excelência, o revolucionário, o idealista, o defensor de um certo socialismo que se queria puro, perfeito, contudo impossível (“Socialismo utópico”), o panfletário, o inquieto, o insatisfeito, o irrequieto, o polemista, o “escritor de cartas” (pois grande parte do seu pensamento é evidenciado na epistolografia que apurou e desenvolveu como uma espécie de “género literário maior” durante toda a sua vida), o também contemplativo, aquele que tendo chegado intelectualmente a uma “plenitude” e espécie de Nirvana, se colocava sempre a caminho de um outro Nirvana… (pois, como bem nos lembrou o poeta espanhol, pertencente ao Modernismo, António Machado (1875-1935), «o caminho faz-se caminhando»). E os caminhos continuam por aí à espera de serem cuidados, limpos, alargados, embelezados e, sobretudo, percorridos. Apoiados na bengala de Antero, tenhamos a ousadia e a coragem de os trilhar.

 6.         Eis Antero: guerreiro-humanista-da-paz-e-do-Bem, à sua maneira, defensor e cuidador da Alma do Mundo. Saibam bons leitores deste “texto”, de uma vez por todas, que o Belo, o Bem e a Justiça, são uma e a mesma coisa. Eis Antero: o “idealista combativo”, o ousado e corajoso impulsionador e mentor da “Questão Coimbrã” («que foi uma célebre polémica literária que marcou a visão da Literatura em Portugal na segunda metade do século XIX» − Wikipédia), berço e ponto de partida para a reflexão renovada, para a crítica construtiva, para o debate e para a síntese de grandes e necessárias questões (temas-problemas) que verdadeiramente interessam à humanidade, pois, o país como estava, não podia assim continuar. Que possamos nós seguir este exemplo e que grupos literários-artísticos, tertúlias e encontros regulares possam nascer e crescer também no nosso tempo a bem do desenvolvimento intelectual, a bem do desenvolvimento do “espírito crítico” e também como “quartel” que se quer bem equipado para o combate ao “Pensamento único”. Fica o desafio. Eis Antero: o idealista mais puro, mas também o homem de ação, o político culto (que rareava à época, tal como também nos dias de hoje), o “Antropólogo”, o “Sociólogo”, o “Teólogo”, o Filósofo, o também jornalista, divulgador e anunciador de grandes ideias e personalidades a conhecer, o exímio Poeta/Sonetista que engloba e sintetiza tudo o que antes se afirma.

 7.         Destacamos também, neste despretensioso, informal, inquieto e provocador  (tão livre quanto possível) “texto”, a aventura/demanda de Antero (o seu percurso de vida, as suas idiossincrasias inovadoras e criativas que nos continuam a confrontar e a inquietar ainda hoje e sempre) a caminho do Absoluto, da Luz. É essencial para os nossos dias o conhecimento de Antero: as razões e causas do poeta, do filósofo e do “talvez-místico”, também o ascético, o racional, o emotivo, o inquieto e irrequieto, o insatisfeito, o “demolidor-pacifista”, o defensor do Bem, do Belo e da Justiça, isto é, do Amor. («O Universo só dura pelo bem que nele se produz. Esse bem é às vezes poesia e arte. Outras vezes é outra coisa. Mas no fundo é sempre o bem e tanto basta». (ANTERO DE QUENTAL, Cartas II (1881-1891) – Organização, introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa, 1989, Universidade dos Açores, Editorial Comunicação).

 8.         A busca por “Deus”, que é e não é o mais importante em Antero(?!),  o Ser ontológico por excelência, ainda que para muitos Absurdo («o Ser, sob todas as suas formas, é um  absurdo. Mas pode isto ser assim?» (Questiona e questiona-nos Antero). A abordagem metafísica, ontológica, ética e até estética do Ser, que em Antero é muito mais do que a semântica herdada dos gregos, consubstancia-se necessariamente na demanda pelo Divino… (que não é — de todo — o “Deus” tradicional”). O impacto perturbador do Transcendente (mesmo quando na maturidade de Antero ele é provisoriamente negado, há um Deus dentro do filósofo-poeta que se renova a cada dia e que transporta no seu conceito toda a tradição e investigação filosófica, antropológica, teológica e artística da humanidade, e ao qual Antero acrescenta uma curiosa e apelativa “mística” que é só dele). Antero, tal como alguns de nós (temos razões para crer que será a maioria), vivemos, acreditando que tudo fará sentido (negando o Absurdo), pois estamos de etapa em etapa a caminho da Beleza (isto é, do Bem e da Justiça, do Amor, que se unificam a cada compreensão séria e autêntica das nossas vivências/experiências/mundividências). Sabemos que a Vida — existencialismo à maneira de Sartre — (esta reencarnação para alguns e para nós) está carregada de Absurdo, mas há uma dimensão de Antero — que nos motiva/galvaniza/inspira/orienta — que confere Sentido através da Morte (e é aqui que — muito provavelmente — estará a compreensão e aceitação da Eternidade). O sentido da Vida reside na consciencialização, descoberta, preparação e aceitação da Morte. Desafio para todos: vamos pensar nisto no próximo fim de semana.

 9.         A inquietação e a insatisfação permanente do poeta-filósofo, bem como a desilusão e frustração pela falta de soluções sociopolíticas e éticas por quem de direito, e ainda a sua crescente revolta derivada em grande parte pela constatação da indignidade e inércia [por parte de um país inculto, ignorante, injusto, retrógrado e obtuso que não valoriza quem deve valorizar] bem como da falta de reconhecimento (um país e um povo que pouco valorizava o Conhecimento e a Cultura — e hoje não estamos muito melhor —), provocaram e contribuíram para um provisório “Fim” por decisão — que entendemos de intelectual e mística — mas “esclarecida” do autor. Para nós, Antero é eterno, e continua nos nossos corações e nas nossas mentes, pois tal como ele, estamos também — cada um à sua maneira, e por ele inspirados — em busca do tal Absoluto bem como da Luz sublime e única que ilumina a Eternidade.

 10.    A situação do país e do mundo — à época — era também uma das suas preocupações, e, querendo ser parte da solução, inspirado pelo que de melhor se fazia na europa e no mundo, bem como imbuído por sentimentos de solidariedade e de partilha, inicia uma revolução intelectual, política, social, ética, filosófica e poética, também em busca do “espírito moderno” onde cabe a inovação, a criatividade, o pensamento crítico por excelência e a coragem e ousadia de olhar (a fim de reparar/arranjar/reorganizar) as “coisas físicas e metafísicas” (a Vida e o Mundo) de outra maneira, pois o que melhor caracteriza o nosso Antero é a disrupção que bem usou e dominou como uma espécie de “metodologia sagrada”, mas tal coisa tem em vista (como grande objetivo) a organização e estruturação da nossa Vida com Bem/Beleza/Justiça. Sejamos também capazes, tal como ele, de “aceitar”, de consciência o mais esclarecida possível, que a Vida (esta que conhecemos e experienciamos até à Morte) é impermanência, é efémera,  que percorremos o Universo em sucessivas reencarnações até à purificação e à plenitude total. Tal como para Antero (arriscando mais uma vez uma certa — tão nossa — e livre interpretação do autor), que a Morte possa ser entendida como um novo e renovado Princípio, pois o “Fim” não existe. («Em demanda até ao fim / pois o Fim não existe. / O que há nunca nos basta / e o que parece não haver, / talvez seja o recheio / de outros Mundo(S) / por conquistar» - in “Do Princípio e do Fim” de Ângelo Rodrigues, Edições Colibri, 2022). Ainda a propósito do já referido, partilhamos um provérbio Chinês — muito do nosso agrado, mas talvez desconcertante para alguns  — que diz o seguinte: «se tu acreditas, as coisas são como são; se tu não acreditas, as coisas são como são». (Estamos em crer que o nosso Antero também aceitaria o que é dito e estaria de acordo). Quer aceites, quer não, o nosso autor teve um “fraquinho” pelo Budismo.

 11.    Da crença até à Dúvida (metódica, hiperbólica, radical, sempre provisória — até certo ponto muito semelhante à aventura Cartesiana — Descartes – Filósofo – 1596-1650), inicia um caminho que é — no bom sentido do termo — uma espécie de delírio e de deslumbramento (poético, filosófico, “místico”, social, ético e até político, sobretudo pelo ideal do “Socialismo utópico”). Antero pensa, critica e especula o Mundo e a Vida com as “ferramentas” proporcionadas pelas musas Poesia e Filosofia (admirando, considerando e incluindo também teorias e homens de Ciência que segue, investiga e admira), mas as musas que mais preza são a Metafísica e a Ontologia. E perguntamos: e a Razão? E essa coisa a que chamamos Verdade? E o Sentido? Tudo em Antero é isso mesmo: a permanente busca pelo Sentido. Foi também um combatente da Imbecilidade e da Ignorância humanas (como também nos ensinou e recomendou o grande Platão — Filósofo grego do Séc. IV A.C — que certamente estará em grande convívio intelectual com Antero pela eternidade fora). Quando lá chegarmos [ao dito convívio], o que se espera e deseja que seja ainda muito demorado, vamos querer estar com estes dois e com mais uns quantos em tertúlia sem fim.

 12.    E o que dizer das mais ou menos famosas e inovadoras “Conferências Democráticas do Casino”? Antero parece não conhecer assim tão bem o pensamento de Karl Marx (filósofo, economista, historiador, sociólogo, teórico político, jornalista, e revolucionário socialista alemão – 1818-1883), mas conhece e admira o filósofo, o também político e economista francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), cujo trabalho, ideias e ideais segue, e que, tal relação e cumplicidade, acabam por estruturar o seu pensamento político, social e também filosófico. Podemos dizer que Antero era um idealista apaixonado por Proudhon (grande figura e inspiração do século XIX – galvanizador e arauto de novas e arrojadas ideias), uma espécie de “paladino”, qual “cavaleiro andante” do intelecto esclarecido e curioso que muitos inspirou e que facilmente criou discípulos e fãs. Assim sendo, e tendo em conta esta “boa influência” em Antero, este contribuiu como ninguém, para o desenvolvimento de uma consciência política diferenciada fazendo notar e enfatizando (obrigando a refletir) as contradições e as assimetrias da sociedade do seu tempo. É caso para dizer que precisamos, também hoje, e com máxima urgência, de um outro Antero (não precisa de ser tão “santo” como este) que saiba interpretar e apresentar soluções para este nosso tempo conturbado, apressado, confuso, pouco ético, delirante, algo caótico, mais preocupado com o Ter do que com o Ser.

 13.    Como sabemos, pois as fontes vão sendo disponibilizadas, e, sem desculpas,  só quem não quer saber é que não sabe, as “Conferências do Casino” são sobretudo, e particularmente, animadas sessões mais ou menos livres onde proliferavam — com riscos assumidos — as críticas ousadas e corajosas à dita “sociedade liberal portuguesa” (que, segundo Antero, tal conceito – Liberal (Liberalismo é uma corrente política e moral baseada na liberdade, consentimento dos governados e igualdade perante a lei) – foi – como ainda se revela ser hoje, até certo ponto, altamente mal interiorizado e compreendido. Sendo Antero um homem com alguma coerência (apesar de — como já se aludiu — poética e filosoficamente contraditório e disruptivo), também bastante curioso e desbravador, como se impõe a um pensador de excelência, e respeitador de outras ideias, que não apenas as suas (mente aberta e muito à frente do seu tempo), procurou, de forma eclética, estruturada e holística (palavra muito abusada, mas que aqui faz sentido…), compreender praticamente tudo o que devia ser considerado de mais importante e de essencial do seu tempo. Ele foi não apenas o visionário, mas também o arauto dos novos tempos; foi moderno, “futurista” e contemporâneo, muito antes de termos tido conhecimento “oficial” destes enquadramentos e registos da história. Antero, como já se fez notar, foi um idealista, um crítico do Romantismo, mas ele próprio foi um romântico muito peculiar, mas também o homem do concreto, da ação, da dinâmica, aquele que defendeu como ninguém, a causa e os propósitos dos trabalhadores mais pobres, do operariado (sempre em evidência numa indissociabilidade quase desconcertante), pois ele mesmo foi em simultâneo, o homem comum, o operário, o intelectual, o escritor, o político, o democrata, o “socialista-utópico”, o também Liberal (muito à sua maneira − e que não vos pareça contraditório, pois o dito Socialismo de Antero foi — quanto a nós — uma espécie de Liberalismo, e que os investigadores puritanos de Antero nos contrariem à vontade, pois há que assumir e arriscar novas interpretações e esta, tem muito que ver com a semântica anteriana que encontramos em ambos os conceitos) de mãos dadas com o filósofo e com o poeta. No fundo, e a destacar acima de tudo, Socialismo e Liberalismo são — em Antero, e sem receio de contraditório — sinónimos de Humanismo, de ativismo solidário e cultural bem agregados ao filósofo político ativo e dinâmico  (ora socialista, ora liberal, ora nem uma coisa nem outra, ora…), mas, acima de tudo, e mais importante, o social e o liberal de Antero encontram-se tantas vezes ao longo da sua vida no lutador pela causa suprema da Felicidade (que necessariamente se traduz em Amor, isto é, o mesmo que dizer: Bem, Beleza e Justiça).

 14.    O famoso artigo/ensaio — inicialmente pensado para ser publicado em quatro partes — e escrito propositadamente para a revista “Portugal” (“Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX” − 1890), fundada e dirigida por Eça de Queirós, teve algum impacto e reconhecimento na época de Antero, tendo em conta a qualidade, a inovação e os argumentos defendidos; e  esse impacto foi crescendo até aos nossos dias; contudo, o essencial e  a relevância do seu legado relacionado com a Filosofia/Pensamento está disperso, (e tal coisa tem a concordância, praticamente por unanimidade de leitores e de investigadores de Antero) em cartas muito peculiares (dirigidas a vários amigos e a personalidades que admirava e considerava) e, particularmente, nos seus sublimes e inigualáveis Sonetos. (Há nos Sonetos de Antero obviamente ideias — sensibilidades peculiares — e especulações poéticas de vária ordem, mas encontramos também sonetos que são como que para-ensaios filosóficos sendo que o soneto constituiu também um extraordinário e inovador veículo de partilha filosófica). Podemos dizer (e que os investigadores e estudiosos mais puritanos e ortodoxos de Antero nos perdoem mais uma vez se de tal coisa discordarem), que o nosso homem — aqui singelamente homenageado nesta espécie de “reflexão” — foi o “poeta da Filosofia”, e, apesar de alguns desabafos do autor, que parecem ir em sentido contrário, diremos sem peias, livremente, e aceitando o “sacrifício pessoal”, o seguinte: a Filosofia precisa cada vez mais da Poesia e vice-versa. Só é possível Filosofar com autenticidade e verdade com a preciosa ajuda da musa Poesia. Ele mesmo confessou a um dos seus amigos, em carta bem apaixonada, sentida e corajosa, o seguinte: «aquilo que mais importa [o seu legado] e o que deve realmente ser considerado para a posteridade — acima de qualquer outra coisa — são os meus sonetos». Lendo, relendo e fruindo os Sonetos de Antero, tocamos a Divindade, a Luz, o Absoluto, e somos — obviamente que uns mais do que outros — também contagiados e orientados pela Liberdade, pelo Amor, isto é, pela Beleza, pelo Bem, pela Justiça. Se de facto te quiseres humanizar, frui, compreende e interioriza a mensagem dos sonetos de Antero! Os sonetos são também — mas não só — uma espécie de derradeiro “ensaio filosófico-existencialista” sobre o essencial: a Vida e a Morte. Assim, o grande legado, a obra por excelência deste diferenciado escritor, poeta  e intelectual português intemporal (incluindo a política, a “Mística/Teologia” e a Filosofia) reside particularmente nos seus maravilhosos e diferenciados sonetos. Recomenda-se a leitura atenta de “Sonetos Completos” (publicados pela primeira vez em 1886).

 15.    Antero, tal como a maioria de nós, buscava a coerência e a harmonia, mas foi contraditório em sua experiência de vida e também na sua obra. Ser contraditório é bom? É. E estamos em crer que a força, o brilho e a pujança do seu legado, reside nessa contradição, pois, também um pouco à boa maneira de Hegel (Filósofo Alemão – 1770-1831), corroborado pelo grande, sábio e peculiar Nietzsche (Filósofo, também poeta e Filólogo Alemão – 1844-1900), e já antes bastante afirmado e divulgado pelos gregos clássicos (que não apenas Heraclito de Éfeso – Filósofo Grego pré-socrático), a busca pelo Sentido da Vida e pela compreensão da Morte, começa — e talvez acabe — com e pela dialética dos contrários (Tese e Antítese que produz a Síntese; Apolíneo e Dionisíaco; Bem e Mal; Ódio e Amor… − Queiram fazer o favor de continuar esta lista infinita).

 16.    O poeta-místico e atormentado que realizou o “caminho do Desassossego” em busca da Luz, é, como já referido, o também poeta-filósofo que foi ainda, altamente influenciado pela tormenta da sua doença (Neurose/Psicose/Esquizofrenia…?!), um desbravador e curioso da Mente humana (também nesta área à frente do seu tempo). Foi um homem de Fé, e, ao “perder” esta, que efetivamente nunca perdeu, (pois são afirmações que vão ficando de investigadores, pesquisadores e biógrafos a nosso ver demasiado ortodoxos) perdeu, isso sim, alguns dos seus “mecanismos de defesa do Ego” (qualquer coisa que a Psicanálise talvez possa explicar melhor). À semelhança do que se fez relativamente a Fernando Pessoa(s), — Saraiva, Mário (1990) “O CASO CLÍNICO DE FERNANDO PESSOA” recomendamos que alguém se aventure na investigação e publicação do “Caso Clínico de Antero de Quental”, pois, se for um trabalho bem feito e fundamentado, ficaremos mais esclarecidos, agradecidos e iluminados (ou não) sobre a vida e obra deste grande poeta, filósofo, talvez-místico e para-“teólogo” português. Fica a sugestão, e mãos à obra! Mas, ainda assim,  estamos em crer que, tal coisa, o suposto “Caso Clínico de Antero de Quental”, foi uma mais-valia, pois produziu o génio. Estamos em crer que, para se revisitar e compreender Antero, com verdade e autenticidade, temos que ser tão ou mais heterodoxos do que ele foi. Sabemos bem que a genialidade do ser humano reside nas “mentes heterodoxas”; para muitos, imperfeitas (isto é, mentes que não são iguais à grande maioria das mentes dos outros seres humanos). Antero viveu em conflito permanente… viveu entre o Ser e o Não-Ser, a Crença e a Descrença, mas sempre como um “nobre cavaleiro andante” em busca do Graal, o mesmo é dizer, do Sentido (que supostamente encontrou na Morte e que o levou à Eternidade).

 17.    O tal Deus que — para alguns exegetas da nossa Praça — Antero “deixou de acreditar”, acabou sempre por estar com ele até ao “Fim”, e, muito particularmente, a suposta — nunca totalmente assumida como bem se conclui a partir dos seus Sonetos — descrença em “Deus”, não é mais do que uma renovada e fortalecida crença, mais intensa, extraordinária, maravilhosa, mais… (Diz-nos ele num dos seus muitos desabafos epistolares: «O Transcendentalismo — somos nós que assumidamente incluímos neste conceito Deus — tem de ser restaurado, de um feitio ou de outro. Só ele pode satisfazer, ou, pelo menos, iludir e entreter as desmedidas aspirações, as ambições e esperanças incorrigíveis do coração humano.» (ANTERO DE QUENTAL, Cartas II − 1881−1891 − Organização, introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa, 1989). Assim, o “Deus” do “Santo Antero” é o Amor (Bem, Justiça e Beleza), e é sobretudo isto que deve habitar o coração do Homem como ele nos ensinou. O ideal “Deus” é também o Uno (com a semântica do Religare), que é uma das dimensões do Absoluto, isto é, do Eterno, que não é só um ideal, mas que deve ser o Destino supremo (voltar ao Uno-que-é-Deus), e para sermos dignos da humanidade, temos que fazer o “Caminho do sagrado” com coragem, ousadia e conhecimento. Assim, para sermos dignos da nossa humanidade (e muito que há a dizer sobre a Ética e a Moral em Antero, que se deixou influenciar também por Kant, mas vamos deixar isso para outros) e para conhecermos e melhorar essa coisa da “condição humana”, há que trilhar o caminho com elevação espiritual — com a boa ajuda da Poesia, das Artes e da Filosofia —  (voltar à origem mais pura) a fim de se atingir o Nirvana o Buda Sidarta Gautama - Sammāsambuddha -, descreveu o Nirvana como um estado de calma, paz, pureza de pensamentos, libertação, transgressão física e de pensamentos, a elevação espiritual, e o acordar à realidade. Alcançando este estado, quebra-se o processo de Samsara ou Sansara - em devanágari: संसार; Saṃsāra − que é uma palavra páli/sânscrita que significa "mundo". É também o conceito de renascimento e "ciclicidade −, interrompendo os contínuos renascimentos.» − Wikipédia) que é a condição por excelência para o Absoluto, para a Plenitude, para a Eternidade.

 18.    Antero — talvez cansado e farto da incompreensão, da incerteza de quase tudo e também da inércia de muitos dos seus pares e dos vários ignorantes e imbecis da época — acabou por se interessar um pouco — subrepticiamente e com imensa curiosidade — pelo Budismo, particularmente pela ideia de Esperança subjacente ao Nirvana (e não iremos agora especular mais nem sobre o Budismo nem sobre o Nirvana, mas aconselhamos e recomendamos vivamente a investigação e conhecimento desta apaixonante proposta/filosofia almífica (conceito nosso disponível para ser usado sem problema) e ontológica; e, se vos for possível e útil — após alguma dedicação a este apaixonante assunto —, retirem as vossas próprias conclusões. Por ser também um filósofo, um inquieto e curioso, pois são tantos, são mesmo muitos os caminhos que Antero procura conhecer e experimentar, no fim, mergulha nas águas do Budismo mais filosófico e isso também nos inspira, inquieta e orienta. Bem sabemos que o Budismo não é entendido por Antero — e a nosso ver, bem — como mais uma religião, mas sim como uma “Filosofia de vida” por ele considerada muito interessante, a conhecer e a explorar. Obviamente que o nosso homem não foi budista, mas expressou, em vários momentos do seu percurso intelectual e literário (particularmente nos sonetos), afinidades curiosas com vários princípios, vivências, teses e orientações do Budismo. Para corroborar isto mesmo, sabemos que, numa carta dirigida ao seu amigo, escritor e intelectual Oliveira Martins, com data de 27 de julho de 1873, revelou-lhe, ao que parece, bastante entusiasmado, a sua conceção do Budismo como sendo uma via de misticismo ativo, redentor e a considerar.

 19.    Tanto que fica por dizer…, contudo, temos que atender e recordar ainda, mais ou menos a terminar, a situação “surreal” do fim desta sua reencarnação terrena. Antero saiu de casa num “dia negro” (mas para órficos, pitagóricos, para Platão — que nos ensina que «morrer é bom» —, para Sócrates e mais uns quantos, foi um “dia feliz”, o dia da grande mudança a caminho da Eternidade); entrou numa loja, comprou um revólver (e ironia das ironias, pois o troco que resultou dessa compra vai dá-lo pessoalmente à sua irmã manifestando uma imensa solidariedade e moral até ao fim); e muito próximo de uma parede onde se lê a palavra “Esperança” em letras bem visíveis (talvez Antero nos esteja a dizer, a lembrar, com algum sentido de humor que também o tinha, que na Morte está a Esperança e a Libertação, e, para nós, como já foi atrás aludido, é mesmo isso que ele nos está a dizer…), acaba — apenas e só — com uma das suas reencarnações. (Sentado num banco do Campo de São Francisco, junto ao muro que fecha a cerca do Convento da Esperança, na cidade de Ponta Delgada nos Açores, dá-se o “Fim”). Consta que Antero disse um dia a um amigo que confiava na Morte, e foi ela que o levou ao tão desejado e doce Absoluto. O “Fim” (a Libertação suprema), crença nossa que  defendemos e partilhamos cada vez mais, agora também inspirados em Antero, é um novo “Princípio”.  «Morrerei também, depois de uma vida moralmente tão agitada e dolorosa, na placidez de pensamentos tão irmãos das mais íntimas aspirações da alma humana, e, como diziam os antigos, na paz do Senhor! – Assim o espero.» (ANTERO DE QUENTAL, Cartas II − 1881−1891 − Organização, introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa, 1989). «Dorme na Mão de Deus eternamente!». «Comunhão da Paz Universal (…)». «Morte libertadora e inviolável». Fique também — leitor desta coisa — na “Paz do Senhor”!

 20.    Contaremos com os autores (de todos os géneros já inventados e por inventar) nos próximos projetos literários que tencionamos publicar, e, para tal desiderato, necessitamos obviamente do seu precioso apoio e participação. Mais uma vez, obrigado pela vossa confiança e dedicação a esta causa que nos parece necessária e nobre. Um grande e renovado abraço do tamanho do Uni-Verso. Muita Paz, Saúde e Amor (isto é, à maneira de Antero, Bem, Beleza e Justiça para todos)!

  

Ângelo Rodrigues
(coordenador e, talvez, crítico literário,
 novembro de 2024)
 



 

02 maio 2024

Projeto «ANTERO de QUENTAL» das Edições Colibri em formação


 

Projeto "escrever CAMÕES» das Edições Colibri - "Avulsas Impressões» (Prefácio integral da obra) por Ângelo Rodrigues

 



Visite AQUI o website das Edições Colibri!

 

AVULSAS IMPRESSÕES
por Ângelo Rodrigues

 

«(…) Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.»


Trecho adaptado de um soneto de Luís Vaz de Camões

 

1. Caros autores, obrigado por serem quem são e por fazerem parte desta coletânea assumidamente diferenciada e eclética que podemos considerar uma espécie de “desígnio nacional”. A vossa confiança, dedicação, colaboração e generosidade, são também a necessária e “boa lenha” das nossas “fogueiras criativas” que nos proporciona conforto e iluminação da Alma. (Um pouco à maneira de Camões, podemos dizer que tal atitude é uma “forma de Amor” que «arde sem se ver», mas que queremos sentir intensamente e cada vez mais). É graças ao vosso empenho literário e cultural que transfiguramos as nossas vidas e fazemos a devida apologia, bem como louvamos a existência e a influência (estamos em crer que é o desejo de todos ou quase todos) do grande Vate (também profeta, também vidente…) Camões. É ele que nos continua a inspirar, nos motiva e galvaniza. Ele é intemporal (clássico, mas tão contemporâneo ou mais do que muitos) e eterno; e daqui a um milhão de anos continuará - certamente - a ser celebrado e reconhecido como bem merece e se impõe. Os vários, ousados e especiais - tão diversos -, fantásticos trabalhos literários (em quase todos os géneros e subgéneros) exarados nas muitas páginas desta obra coletiva são sobretudo um agradecimento e um reconhecimento da imensa e extraordinária influência de Camões em praticamente todos nós. Sem ele, certamente que não seria amesma coisa. Esta singela celebração/homenagem no ano da comemoração dos 500 anos do seu nascimento, impunha-se mais do que nunca, e toda e qualquer homenagem/celebração a Luís Vaz de Camões ficará sempre aquém da sua grandiosidade; assim, qualquer tipo de apologia, através de qualquer meio ou suporte, por mais honesta, apaixonada, sentida e autêntica que seja é sempre bem vinda e desejável, mas jamais esgotará a genialidade desta tão ímpar personalidade.

 

2. Camões não é só “nosso” (apenas da Portugalidade ou, se preferirem, da Lusofonia), mas sobretudo do mundo. Camões é como uma grande e bela galáxia cheia de vida que nos continua - ainda - a impactar, inquietar, deslumbrar... Ele é, sem dúvida, o maior poeta da língua portuguesa e um dos mais importantes e diferenciados da Literatura mundial. “Os Lusíadas” bate aos pontos qualquer obra épica (e existem várias e boas) e consubstancia-se numa obra-prima sem paralelo e de difícil e arriscada comparação com as que conhecemos em virtude da sua excelência estilística (forma, conteúdo…). Que Homero, Vergílio e Dante se cuidem! Está ainda por nascer um espírito desbravador, um poeta/escritor/”rebelde” que consiga narrar de forma tão inovadora, criativa, diferenciada e sublime (inspirando também posteriores obras do género em todo o mundo), as conquistas, os feitos, as glórias,  e também os sofrimentos, os desalentos e as angústias dos navegadores portugueses que se aventuraram e desbravaram os vários mares e os continentes, levando com eles a mentalidade, a fé, a cultura, a mundividência bem como a forma de ser e de estar Lusitana. Mas, como sabemos, Camões não foi apenas e só o poeta épico por excelência (de que quase todos tomamos conhecimento - e nem sempre boa nota - a partir dos “bancos da escola”, pois para alguns, a aprendizagem forçada e sofrida da Gramática, e particularmente das famosas orações, a partir de “Os Lusíadas” e também da Lírica, foi terrível… - e provavelmente desnecessário -, mas o Vate não tem culpa nenhuma desta situação…), foi muito mais do que isso; foi também um destacado agente da cultura e das artes, um visionário, um sublimador, um “revolucionário”, um poeta lírico, que cantou como ninguém o Amor e a Saudade (tão nossa “que outros estranham e depois docemente se lhes entranha”, à maneira de Pessoa - outro dos grandes - que teve também Camões como mestre). Camões cantou e refletiu - como nenhum outro antes e depois dele -  outras temáticas, sentimentos, afetos e emoções, lugares reais e imaginários, homens e mulheres especiais bem como seres mitológicos que marcam a vida e a condição humana cantando a Natureza, o Bucolismo, a Fortuna, o  Sofrimento, a Morte, as Tágides, as Ninfas, os Deuses (com as suas peculiares e encantadas implicações na vida dos humanos)... Abordou poética e literariamente (com uma peculiaridade desconcertante e genial) tantos temas e dimensões da nossa vida em versos únicos, diferenciados, absolutamente originais e de rara beleza, harmonia, musicalidade e encanto. Vale a pena questionar agora: que outra (e melhor) inspiração podiam ter tido os autores incluídos nesta obra (?!) Como sabemos, Camões viveu numa época bastante conturbada e conflituosa, de grandes transformações físicas e espirituais, tanto na Europa como no mundo. Assim, e pelo exposto, teremos que admitir e nos render um pouco à ideia de que a história é cíclica e que, apesar de Camões nos ensinar que tudo muda,  alguma coisa do que já foi, voltará a ser como era. («Mudam-se os tempos, / Mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança; / Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades»). Puxando a brasa à nossa sardinha, dizemos que, também por isso, se Camões cá voltasse hoje, não iria - certamente - estranhar algumas coisas que pouco ou nada mudaram... Muito em particular, e principalmente para o mal ou para o menos bom, a natureza - a “condição humana” com tudo o que isso quer dizer e significa - continua praticamente inalterada. Foi Camões testemunha e protagonista de acontecimentos históricos marcantes ainda hoje e para sempre, como a expansão marítima, a alteração do paradigma religioso, as guerras e as intrigas palacianas e políticas (e ainda hoje nada disto é muito diferente). Foi também um homem de aventuras, de infortúnios, de experiências intensas, que viajou por vários lugares (alguns considerados já então exóticos e estranhos) e países. Foi muita coisa enquanto viveu e também dedicado soldado tendo combatido em algumas batalhas (físicas e espirituais) e até perdeu um olho (sendo que via muito bem com “os olhos da Alma”). Esteve preso (em prisões físicas e almíficas – palavra nossa); naufragou literalmente (e também pela sua Alma grande); sofreu/adoeceu e recuperou (pois, como escreveu um dos grandes vultos da nossa Filosofia, muitos anos depois dele, «tudo o que não me mata torna-me mais forte» – Nietzsche). Camões reinventou o conceito de Amor bem como a compreensão e a prática do mesmo; amou  e foi amado (explorando e alargando como mais ninguém,  a essência do Amor, a semântica, o propósito, o sentido e mais além) tendo sofrido muito,  com resiliência, com bravura, com coragem e ousadia. A sua vida foi uma peregrinação, uma extraordinária odisseia interior e exterior, uma demanda (certamente orientada pelos deuses - com um nobre propósito - a fim de experimentarem - e testarem - o génio do Homem Grande que os investigava, denunciava, conhecia e confrontava como ninguém) que se reflete na sua obra, tanto na forma e estilo inconfundíveis, inigualáveis e inultrapassáveis como na excelência dos  temas genialmente abordados que continuam a marcar-nos hoje e para sempre, pois Camões é eterno.

 

3. Camões não é apenas o grande poeta universal; é uma referência, um padrão, um “ideal de Literatura” e também um ideal de causas nobres em busca do Bem, do Belo e da Justiça (onde certamente o também grande e genial - muitos anos depois dele - Antero de Quental se inspirou, e a quem tencionamos dedicar um livro como este), que para ele são a mesma coisa. Alguém que soube, mais do que ninguém, expressar os sentimentos, as injustiças, os ideais, a beleza, os desejos, as ambições e os grandes valores/princípios axiológicos e estéticos da humanidade, com uma linguagem bastante original, riquíssima, variada e ousada, e muito à frente do seu tempo (daí o Vate que significa também profeta e visionário…). Camões soube como nenhum outro - e continua a ensinar-nos isso pelo tempo fora - a combinar a longa e maravilhosa tradição clássica (sobretudo greco-romana, mas não só, que muito amou, investigou, refletiu e cantou) com os cânones e “modelos literários” do seu tempo (tendo sido  inovador, moderno e contemporâneo). Camões experimentou, vivenciou e mudou definitivamente alguns paradigmas que ainda seguimos. Tal como Camões, tenhamos nós a ousadia e a coragem de mudar! Sem qualquer tipo de dúvida, a sua obra é parte significativa, honrosa e essencial do património cultural português e também do mundo, que merece ser não apenas lida, mas muito mais: fruída, inteligentemente interpretada, partilhada, enaltecida, compreendida, admirada, celebrada, verdadeiramente sentida e estudada/investigada/criticada por todas as gerações “até ao fim dos tempos”. Não sendo propriamente uma crítica (embora possa ser considerada uma farpazinha), que o estado Português - e quem de direito, esses tais “representantes e líderes” da nossa Cultura e afins - tenham em consideração, possam interiorizar e perceber a importância desta enorme personalidade nos 500 anos do seu nascimento (2024). Assim, celebrar Camões não é apenas um dever, é também um agradecimento, e, como já se percebeu, esta efeméride, não é apenas e só mais uma data como outra qualquer. E nas escolas… tem estado a acontecer alguma coisa de relevante e de significativo para as novas gerações tendo como ponto de partida e inspiração Camões (?!) Quem achar por bem, que responda, e oxalá que possa ser - desejavelmente -  em sentido positivo.

 

4. Nesta obra coletiva de trinta autores (que livremente optaram por qualquer dos géneros literários conhecidos), conscientes da importância desta tão relevante personalidade e desta data tão marcante, simbólica e significativa - que jamais poderia ser esquecida -, foi proposto - por convite da editora - uma homenagem/celebração/apologia - uma espécie de tributo - a Camões pelo e com o contributo literário de cada um dos autores envolvidos, pois estamos em crer que o nosso melhor legado (e também por isso seremos eternos) é a nossa criatividade, que se consubstancia nas páginas desta obra em vários textos, poemas, contos, aforismos, memórias e pequenos ensaios que este diferenciado, singelo e eclético livro deixará para fruição desta e das próximas gerações. Assim, e com a forte convicção de que não temos (nem tal coisa é necessária) que justificar esta aventura literária e criativa, tal tarefa se impunha por si mesmo no ano (2024) em que se comemoram os 500 anos do nascimento desta figura ímpar da Portugalidade. Mais uma vez, o nosso sentido agradecimento aos trinta autores de todos os géneros literários que connosco alinharam - e reciprocamente se motivaram - neste nobre propósito. Cada autor (escritor, poeta, ensaísta, contista…) procurou dar/partilhar o melhor de si e contribuiu com um texto de um género diferente, inspirados, como não podia deixar de ser, na fantástica e intensa vida, e sobretudo na grandiosa obra de Camões, bem como em aspetos relacionados com o seu tempo/época, as suas viagens, vivências peculiares, a sua cultura e influências várias e sempre ricas, algumas completamente “fora da caixa”,  e, também por isso, inspiradoras. Em jeito de síntese, e na honrosa qualidade de coordenador literário deste projeto, podemos dizer, sem peias, sem rodriguinhos ou falsas modéstias, que o resultado valeu bem a pena e que estamos perante uma obra de grande diversidade estilística, de qualidade literária quanto baste, sendo também original e diferenciada, e que, mais do que tudo, pretende celebrar o poeta, o escritor, aquele que tratava as Musas por tu, o Homem com H grande, o lutador de causas nobres, o também “rebelde”, o inconformista, o defensor e praticante da “desobediência civil” (que muito nos tem hoje a ensinar), o defensor da dignidade humana, o humanista por excelência, aquele que ousou redefinir o conceito e a ideia de Amor e que o compreendeu e vivenciou como ninguém. Meus caros autores e leitores em geral, em duas palavras, o legado de Camões é incontornável, e também por isso, eterno; assim, saibamos nós continuar pelo tempo fora a celebrar um dos grandes que habitou este planeta. Tendo em conta o que já foi dito, e sobretudo o que não foi possível ou, de todo, não conseguimos dizer (pois, tal como Wittgenstein - grande observador e pensador do mundo -, também pensamos e afirmamos com ele que “o que falta dizer é sempre o mais importante”), então DIGAM! Que esta singela obra coletiva consiga inquietar-nos cada vez mais, perturbar (no bom sentido do termo) e provocar a reflexão que falta fazer; que incentive a boa “rebeldia” e o debate, aguçando a nossa curiosidade bem como o nosso necessário e urgente espírito crítico. Em síntese, esta obra só foi possível pelo facto de que todos os envolvidos nunca se esqueceram da boa influência, da nobreza, do simbolismo, do significado, do sentido e da atualidade do legado de Camões.

 

5. Esperamos - sinceramente - que esta singela obra coletiva seja do agrado dos mais exigentes leitores e que estes possam apreciar as diferentes perspetivas (perceções, paradigmas, opiniões, visões do mundo e da vida) e abordagens dos ousados e corajosos autores que lhe deram corpo, voz, alma e sentido. Que esta obra possa também motivar à releitura, ao redescobrimento e ao aprofundamento do extraordinário legado de Camões. Escrever, portanto, inspirados em Camões, é uma forma de reconhecer e agradecer a sua fantástica contribuição para a língua, a literatura e a identidade portuguesas, mas também - e sobretudo - para a cultura e a história da humanidade.

 

6. A influência de Luís Vaz de Camões na cultura, língua e literatura portuguesas são inegáveis e todos (ou quase todos) temos consciência disso. Ainda assim, nem sempre o Vate tem tido o melhor tratamento e consideração por todos nós. Podemos dizer que Camões foi também um “pensador”, um exímio criador de conceitos e o grande renovador da Língua Portuguesa tendo conseguido transformá-la num dos mais fortes símbolos da nossa identidade (essa coisa da Lusofonia…). Camões influenciou a cultura portuguesa em vários aspetos. A sua obra é uma fonte de inspiração e de conhecimento para os portugueses (e para todos os povos do mundo), e devemos orgulhar-nos da sua herança, da sua aventura e ventura, propósito e missão de vida. Camões valorizou a Cultura e a Arte de forma peculiar e diferenciada, mas também denunciou a corrupção, a decadência, a falta de dignidade e de justiça (a desgraça e o sofrimento), a perseguição e a falta de liberdade. Viveu a sua intensa - e muitas vezes desconcertante - vida como “livre pensador” e foi ousado, corajoso, “rebelde” e desbravador. Possamos nós estar hoje - e sempre - à altura do seu peculiar e extraordinário legado! A obra é obviamente bela, genial, incontornável, majestosa, insuperável, intemporal, inovadora… contudo, e para além do acima dito, que é mesmo positivamente muito para um homem só, que a sua experiência de vida possa ser por nós celebrada como exemplo de alguém que lutou e que defendeu a Literatura, o Teatro e as Artes, não apenas como um cidadão comprometido com a Cultura do seu tempo, como Poeta ou Escritor brilhante, mas também como Homem grande que hoje podemos metaforicamente considerar (e legitimamente confundir) com “um dos deuses da tradição clássica” que ele bem conhecia (e com quem  “conviveu”) e que muito referiu, especulou, criticou, exaltou e confrontou, tanto na sua obra épica como na lírica.

 

7. É sabido, mas nem sempre devidamente reconhecido e compreendido, que Camões influenciou a língua e a cultura portuguesa de forma tão marcante (a Lusofonia, a Portugalidade) em vários aspetos: o estilo, a gramática, a ortografia, o vocabulário, a sintaxe, a prosa, a retórica... A sua obra é um modelo de excelência e de talento. Camões contribuiu como nenhum outro poeta ou “intelectual” para a formação e para a consolidação da língua portuguesa, que se tornou uma língua de culto, de máxima cultura e de prestígio. O Português é falado por mais de  260 milhões de pessoas em todo o mundo, e, se não estamos em erro (pois a Estatística não tem ajudado muito neste particular), já chegou - ao que parece - a ser a quinta Língua mais falada, orgulhosamente capaz de competir com as designadas línguas dominantes (e mais nobres) da época, como o Latim, o Francês e o Espanhol. Camões enriqueceu a língua portuguesa com novas palavras que ousadamente inventou, novas expressões, nova e imaginativa semântica, novas figuras de estilo e de linguagem, novas formas poéticas e também novos ritmos, nova musicalidade e renovadas abordagens temáticas. Além do já referido, é legítimo reconhecer e fazer a devida apologia, pois, foi graças a Camões que alguma coisa de muito belo se alterou no exercício e partilha da Língua: desde o estilo aos temas-problemas. Podemos dizer (e tal coisa só nos vincula a nós, tendo em conta as supostas e eventuais críticas/objeções dos mais puritanos destas coisas) que foi ele o criador e o mentor de uma nova e ousada metalinguagem que pouco ou nada tem mudado desde então. A sua obra é, e sempre será, tal como se pode verificar pela leitura cuidada, hermenêutica e fruição desta coletânea de homenagem/celebração (“escrever CAMÕES”), uma fonte de influência e de interação para os escritores de Língua portuguesa, que nele se inspiram (sobretudo pela poesia - Lírica e Épica -, mas também pela prosa e pelo “ideário” camoniano em geral). Camões criou obras de vários géneros literários (sendo vários deles - infelizmente - pouco conhecidos da maioria das pessoas), como a Epopeia, a Lírica, o Teatro (tendo sido também um Dramaturgo, e esta faceta é menos conhecida). Parece que Camões não quis deixar quase nenhum género nem subgénero de fora (sendo também o inventor e experimentador de alguns, particularmente subgéneros poéticos que vários autores - e bem - recordam em várias produções contidas nesta obra e que dispensamos de os referir/enumerar aqui), e isso revela - uma vez mais - a grandiosidade desta personalidade que quase tudo quis experimentar e que em tudo o que tocou foi mestre (arauto e expoente máximo  da Sensibilidade). Não é fácil seguir o seu exemplo, mas o desafio é mesmo esse. Esta obra (a vossa/nossa coletânea que passa agora a ser de todos e de ninguém em particular) é assumidamente eclética (podemos dizer que inclui todos os géneros literários já inventados e mais um) e, assim, à maneira de Camões, aquele que nos inspira, e que está seguramente sentado na ponta da sua estrela a contemplar o Uni-Verso pela eternidade fora, que olha por nós como fazem os bons deuses - que recordou e cantou -, e que como por magia, pois os deuses assim o quiseram e ordenaram, nos “obriga” e desafia a criar e a recriar cada vez mais e a aperfeiçoar o que será o nosso melhor legado, e com isso,  sub-repticiamente, o convite e o repto a fim de nos superarmos. Obrigado Luís Vaz de Camões.

 

8. O poeta espanhol, nosso contemporâneo, Juan Vicente Piqueras, disse: «Escrevo porque não tenho palavras». Entendemos e sugerimos que devemos ir em busca (em demanda) das palavras certas e também das problemáticas e das incertas, bem como das que ainda não existem, das mais luminosas, das mais belas e também das feias e aleijadas; mas também das mais perturbadoras e inquietantes, das mais autênticas, das mais intensas, das palavras douradas e eternas, daquelas que habitando ora o Infinito, ora o Submundo, habitam necessariamente - e sempre, quando bem procuradas - no verdadeiro e apaixonado autor/criador. Estamos em crer que, obviamente inspirados em Camões, e reiterando, é também essa a grande motivação dos autores que integram esta obra. Para além de ser uma boa terapia (pois estamos em crer que toda a Literatura - bem como a boa Arte em geral -  é terapêutica e atua em nós como catarse), talvez a melhor, a mais eficaz, e a que vale a pena recomendar,  escrever é sobretudo descobrir e descobrir-nos, compreender e compreender-nos, interiorizar e “outrar”, viver e fazer viver. Escrever é um ato de Amor. Assim sendo, que nos seja permitida uma recomendação aos humanos (para que se tornem cada vez mais humanistas): escrevam (em qualquer género literário conhecido ou por inventar) e amem-se cada vez mais e melhor, pois pouco mais valerá a pena.

 

9. Contaremos com os autores (de todos os géneros) nos próximos projetos literários que tencionamos promover e partilhar. Mais uma vez, obrigado pela vossa confiança e dedicação a esta causa que nos parece necessária e nobre. Um grande abraço do tamanho do Uni-Verso.


Ângelo Rodrigues
(coordenador e, talvez, crítico literário,
 junho de 2024)