Aqui vos apresento uma reflexão do meu colega Pedro Santos Maia
com a qual estou absolutamente de acordo. Leiam e opinem!
com a qual estou absolutamente de acordo. Leiam e opinem!
O que devem as
escolas fazer?
Há dias o Primeiro-Ministro
referiu que a situação de pandemia que vivemos deve prolongar-se por três
meses. Dados mais recentes (https://www.publico.pt/2020/03/27/sociedade/noticia/coronavirus-pico-surto-portugal-sera-mes-maio-1909818)
apontam num sentido semelhante, e não em possibilidades de antecipação do fim
da crise.
Fazendo contas e retirando
ilações, teremos meados de junho como cenário provável (e talvez até otimista)
de superação da pandemia. Para as escolas, isto significa que não haverá aulas
em abril, em maio e em junho, ou seja, não haverá mais aulas este ano letivo;
do ponto de vista presencial, este ano letivo está terminado.
Para
enfrentar este problema, o Ministério da Educação lançou um «Roteiro» com 8 Princípios
Orientadores para a Implementação do Ensino a Distância (E@D) nas Escolas. Não
discuto aqui intenções, as quais poderão até ter sido as melhores, nem os
méritos que as tecnologias hoje contêm e os contributos que permitem trazer
para as nossas vidas e, neste caso, para o que acontece nas escolas.
Simplesmente, a sua concretização pode vir a ser (na verdade, está já a ser)
desastrosa. E isto por três ordens de razão.
Em
primeiro lugar, não se está a acautelar o princípio fundamental de justiça e de
igualdade de oportunidades — princípio norteador da escola pública — de acesso
aos meios necessários para a modalidade de ensino à distância por todos os
envolvidos no processo, ou seja, professores e estudantes; pelo contrário,
está-se a promover uma situação que valida inaceitáveis e inconstitucionais formas
de exclusão e discriminação, conforme se pode verificar aqui: https://www.publico.pt/2020/03/27/sociedade/noticia/ministerio-nao-acautela-alunos-internet-novo-plano-ensino-distancia-1909775.
Imaginar o contrário é ignorar a situação em que vivem milhares de famílias em
todo o país. Foi para diminuir distâncias — de toda a ordem — que a escola
pública foi criada, não para as aumentar!
Em segundo lugar, a experiência acumulada
nas duas últimas semanas tem-se traduzido numa sobrecarga de trabalho dos
estudantes e dos professores, e quanto a estes num desrespeito pelas suas
condições profissionais e designadamente pelos seus horários de trabalho. Seria
fácil encontrar muitos testemunhos que comprovam este tópico.
Em terceiro lugar, esta modalidade de
ensino à distância não garante a credibilidade da avaliação dos trabalhos dos
estudantes pela muito prosaica e óbvia razão de não se poder garantir a
autenticidade da autoria dos mesmos. Continuar a trabalhar com os estudantes,
sim. Tentar atingir o maior número, com certeza. Desenvolver competências,
sempre. Mas, como estamos, não é possível nem legítimo lecionar novos
conteúdos, não é possível nem legítimo avaliar e classificar a sua
aprendizagem. Pensar o contrário é contribuir objetivamente para atropelar a
mínima isenção e objetividade que o processo de avaliação deve envolver.
Portanto, nas condições em que nos encontramos, este
tipo de ensino não garante… o ensino, dado que a qualidade é insuficiente, com
precária vertente pedagógica, com uma didática avulsa, o que, além do mais, não
atende ao que está consignado nos normativos, um ensino adaptado às
necessidades dos alunos. É também discriminatório dos professores
com mais idade que são forçados a recorrer a tecnologias que dominam
insuficientemente, e que não passam a dominar de forma instantânea. É preciso
tempo!
Portanto, nas condições atuais, este tipo de
ensino — o ensino à distância, de forma prolongada, na escola pública — não
garante a aprendizagem em moldes universais e equitativos.
E portanto também, neste ano letivo, esta
modalidade de ensino não se deve traduzir e culminar numa avaliação final, pois
esta não se sustenta em bases sólidas, credíveis e minimamente objetivas.
O que devem então as escolas fazer?
Em vez de medidas mais ou menos fictícias,
avulsas, discriminatórias e contraproducentes; em vez de mais planos e mais roteiros
e orientações, com toda uma parafernália burocrático-tecnológica acoplada, as
escolas e as suas direções devem exigir à tutela os meios (materiais e de
formação) que permitam enfrentar situações como a que estamos a viver, porque,
sem alarmismo e talvez com realismo, à nossa porta podem estar a bater novos
surtos epidémicos. Uma exigência para o presente e para o futuro.
Em vez de estarem a lecionar novos
conteúdos que não abrangem todos os alunos (como é isso possível, que princípio
ético o pode admitir?!), as escolas deviam estar a reforçar e a rever os
conteúdos lecionados até à data da interrupção (13 de março).
Em vez de estarem preocupadas com a
avaliação de um final de ano letivo presencialmente inexistente, as escolas e
as suas direções deveriam exigir à tutela que a avaliação final deste ano
letivo seja a do segundo período (nas escolas que funcionam em períodos) e a do
primeiro semestre (nas escolas que funcionam por semestres), ou a que foi
recolhida até à suspensão das aulas. Em qualquer das situações contempla-se
felizmente mais de metade do ano letivo (sim, o primeiro semestre é mais
extenso do que o segundo). Se se
considera que assim não é possível recuperar alunos que até ao momento tiveram
avaliação negativa, então as escolas e as suas direções devem colocar e exigir à
tutela a possibilidade da passagem administrativa. Para uma situação excecional,
medidas excecionais.
Em vez de estarem ansiosas com a realização
dos exames nacionais, as escolas e as suas direções deveriam exigir à tutela a
suspensão e a não realização dos mesmos, pelo ambiente de stress criado, pelo incumprimento dos programas curriculares, pelas
discrepâncias assinaláveis que existem de escola para escola nas matérias até
ao momento lecionadas.
Um profissional de saúde dizia por
estes dias que estar a combater o vírus num hospital é como estar na praia à
espera de um tsunâmi.
Apropriando-me desta terrível
analogia, diria: o tsunâmi já chegou, pôs o mundo do avesso e a vida em
suspenso. Não juntemos mais ondas à vaga avassaladora que nos inundou. Mais do
que nunca, o que se exige agora é cabeça fria, ponderação e coragem! Também nas
nossas escolas e no sistema de ensino.
Pedro Santos Maia
Professor do Ensino Secundário
Almada, 28.3.2020